Quando a porta do quarto se abriu e a claridade que vinha da luz do corredor iluminou parcialmente o ambiente, ela vislumbrou a fisionomia do homem que vinha em sua direção. Ele tinha um olhar perdido, como se fitasse alguma coisa muito além dela, algo numa outra dimensão, num outro tempo. Ela se encolheu na cama numa tentativa de se proteger daquilo, de fugir daquela situação. O homem se aproximava com seu olhar sem vida, murmurando palavras que ela não estava conseguindo entender. Ele alcançou a cama. Ela tremeu e olhou para o celular ao seu lado. O homem chamava por um nome de mulher que não era o seu. Ela pegou o celular. Seus olhos infantis fitaram, atemorizados, aquele personagem que começava a puxar o lençol que a cobria. Então ela teclou um número.
- Não se preocupe, querida! Tudo ficará bem. Você foi muito corajosa e eficiente ao telefonar pra mim Assim eu pude entrar em contato com a equipe do hospital, e eles chegaram a tempo de evitar algo grave. Pode ficar tranqüila. Tudo ficará bem.
- Será mesmo, tio? – a menina não tirava os olhos do homem que estava envolto numa espécie de camisa-de-força, sendo levado por dois sujeitos de jalecos brancos em direção a uma ambulância.
- Eu lhe garanto, Fernanda. Tudo se resolverá de modo satisfatório.
Um homem que parecia o chefe da equipe aproximou-se da menina e do tio dela.
- Nós estamos indo. Assim que tudo estiver sob controle entraremos em contato, Sr. Nelson.
- Tudo bem! Nós estaremos ansiosos – respondeu o Sr. Nelson.
O homem se afastou. A menina não deixava de fitar o veículo branco. Então ela perguntou:
- Por que ele ficou assim, tio?
- Porque ele nunca conseguiu superar a morte de sua mãe. E então ele passou a ver em você a própria esposa, ou seja, você passou a ser a personificação de sua própria mãe na mente perturbada dele.
- Eu não quero que nada de mal aconteça ao meu pai, tio. Eu não vou conseguir agüentar. Já basta a falta de minha mãe.
- Vai dar tudo certo. Brevemente ele estará novamente entre nós completamente lúcido. Essa equipe é muito boa, extremamente profissional. Ele será muito bem assistido.
- O senhor acha que ele ia me machucar lá no quarto? – Seus olhos adquiriram um tom de tristeza profunda.
- Eu creio que não, mas de qualquer modo nós chegamos a tempo.
Foram atraídos pelo barulho do motor da ambulância que logo a seguir deu a partida.
A menina de olhos azuis, cabelos loiros e que aparentava ter uns doze anos, conseguiu ler o letreiro na parte lateral do veículo:
CENTRO DE RECUPERAÇÃO NEUROLÓGICA.
Uma lágrima brotou no canto do seu olho esquerdo.
[ Juca Cavalcante ]